A VILA DE PEREIRA

Pereira 

A freguesia situa-se na margem esquerda do rio Mondego, tem uma área de 12,4 Km2 de terras planas, sendo parte ocupada pelos terrenos do campo e parte pelos terrenos do monte. É atravessada por estradas e tem estação da linha de caminho-de-ferro do Norte. Dista 12 Km da sede de concelho.


Povoações

Alpõe, Cabecinhos, Casais Velhos, Casal da Légua, Casal das Dadas, Casal do Mioto, Montes de Baixo, Montes de Cima, Morraceira, Pereira, Senhora do Pranto, Tojal, Torre, Vale de Água.


Evolução Histórica


A origem da povoação de Pereira parece estar ligada às vicissitudes do processo de Reconquista do território aos mouros. Conta a lenda que "… quando os mouros foram expulsos das fortalezas de Coimbra e Montemor-o-Velho, alguns se entrincheiraram num dos pontos altos da margem sul do Mondego, chefiados por Almindo (ou Alminde), muçulmano terrível que deixou fama de carrasco pelas atrocidades e devastações que fazia na região. Os cristãos viviam, nessa altura, em terror permanente perante as barbaridades do desumano Almindo. E, não podendo suportar tal estado de sítio, por muito mais tempo, organizaram contra ele, graças ao entendimento dos alcaides de Coimbra e Montemor-o-Velho, uma corajosa investida que resultou na morte do chefe e na fuga dos companheiros. Libertos do opressor e senhores do local, instalaram uma atalaia de defesa, que protegeram de audazes homens de armas, sob o comando do capitão Pereiro. A lenda adianta que o capitão Pereiro acompanhou Afonso Henriques na luta contra os mouros e que em reconhecimento dos seus feitos o rei lhe deu o senhorio da atalaia, com as suas terras cultivadas e por cultivar, tomando a povoação o nome de Pereira."
Em 1158 o lugar já era habitado, uma vez que num documento datado desse ano Paio Guterres refere-se à terra no processo sobre a questão havida entre a Sé e o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Teve foral dado pelo rei D. Dinis em 1282, o que atesta a importância da povoação; as suas excelentes condições fizeram com que fosse local de paragem e estadia dos infantes D. Pedro e D. Henrique, bem como do rei D. Fernando, em 1372.
Em 1476, o rei D. Afonso V doou o senhorio de Pereira (e outras terras) a D. Álvaro, filho de D. Fernando Duque de Bragança, mas em 1496 a vila passou de novo à posse da Coroa devido à confiscação dos bens do Duque por este ter conspirado contra o rei.
O rei D. João II deixou Pereira e o seu reguengo em testamento ao filho D. Jorge, criando a Casa de Aveiro; assim ficou até 1759, altura em que esta Casa foi extinta devido à conspiração levada a cabo contra o rei D. José I.
Em 1513, Pereira recebeu foral novo dado pelo rei D. Manuel I. No final do século XVI a povoação e região assistem a um surto de desenvolvimento devido à introdução da cultura do milho, que tornou o vale do Mondego no celeiro de todo o litoral centro. Os séculos XVII e XVIII continuam a marcar épocas de apogeu como pode ser atestado pelo surto de construções civis e religiosas. O Colégio das Ursulinas, fundado em 1748 por D. Catarina Barreto e suas filhas D. Luisa e D. Maria, é o responsável por uma tradição na doçaria que ainda hoje se mantém: as queijadas, as barrigas de freira e os papos de anjo.
Em 1831 havia apenas uma freguesia no concelho de Pereira, que contava 457 fogos e 1350 habitantes; o concelho foi extinto em 1836, tendo-se iniciado um período de estagnação e decadência. Em 1842 pertencia ao concelho de Santo Varão, até que este foi extinto em 1853, altura em que passou para o concelho de Montemor-o-Velho.
Pelo Decreto-Lei 79/91 de 16 de Agosto, foi Pereira elevada à categoria de vila, a que se poderá juntar o epíteto de "vila-museu" tal é a variedade e importância do seu património histórico, cultural e paisagístico.

Património Cultural e Edificado

É muito rico o património da freguesia. Nos monumentos salienta-se a Igreja Matriz de Santo Estevão, o Celeiro dos Duques de Aveiro, a Igreja da Misericórdia (uma das primeiras do País), o antigo Hospital, a capela de S. Francisco, Capela de S. Tiago, Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Capela de Nossa Senhora do Pranto, casas senhoriais e cruzeiros. No património cultural, para além das numerosas festas é de referir o papel desempenhado pelas várias colectividades na preservação dos valores culturais. O Celeiro dos Duques de Aveiro alberga um Museu Etnográfico, com uma colecção de arte e etnografia, de que é responsável o grupo folclórico.



Património Natural


No extremo E da freguesia situa-se a Reserva Natural do Paul de Arzila. Esta é uma zona baixa e húmida com uma área de 535 ha distribuídos por um Núcleo Central com 165 ha e uma Zona de Protecção de 370 ha. É atravessado por três valas: a Vala da Costa, a Oeste, a Vala dos Moinhos, a Leste, e a Vala do Meio.


Festas, Lendas e Tradições

Lenda de São Tiago - Durante as festas de São Tiago tem particular destaque a FESTA do URSO, que se pode assim resumir: Um fidalgo vai à caça com os seus criados, batedores e um bobo para os entreter durante a estadia nos montes. Junto segue também uma burra carregada com tudo o que é preciso para acampar. Escolhido um bom lugar para acampar, o Fidalgo e os batedores vão para a caça, ficando os criados, que entretanto se vão embebedando. Verificando o seu estado, um grupo de ladrões troca os utensílios e os artigos que se encontram no acampamento, tachos, panelas, melões, cabaças de vinho, por outros idênticos mas contendo no seu interior gatos, sardões, cobras, pombas, etc.… Ao mesmo tempo, o bobo brinca com a burra enquanto se vai aproximando um urso, que leva consigo um após outro, os criados, cheirando e partindo tudo o que encontra, soltando deste modo toda a espécie de bicharada. A equipa de caça regressa ao acampamento verificando o estado em que se encontra. Não tendo mais criados para levar, o urso leva todos os batedores deixando apenas o Fidalgo. Este, ao ver-se sozinho perante o urso entra em pânico, e depois de ter levado uma sapatada do urso e gritando por socorro, ajoelha-se e grita: “Valha-me São Tiago”. Após este grito, ouvem-se vários estrondos e do meio de uma nuvem de fumo surge a figura imponente de São Tiago a cavalo, que após uma curta luta com o urso, o abate. Finalmente o urso é transportado em triunfo, perante a alegria geral do Povo presente.


Lenda da Freira - A lenda da Freira é conhecida em toda a região, e ainda hoje se pergunta se a Freira já pariu. Mas vamos á história – conta a lenda que certa menina que estava no convento em Semide terá engravidado. Diz a lenda que um rapaz, fazendo-se passar por uma Freira, se terá introduzido no Convento em Semide, e ai permaneceu algum tempo, tendo mesmo engravidado algumas freiras mais novas. Estava-se no tempo da Inquisição, e quando isto foi descoberto, as freiras grávidas foram entregues ás suas famílias. Porém, algumas que não tinham família e foram distribuídas por outros conventos. Foi o caso desta que veio parar ao convento de Pereira, conhecido pelo Convento das Ursulinas que viria mais tarde a passar para as Carmelitas em Coimbra, ainda hoje existe esse edifício em Pereira, conhecido por Quinta de São Luís. No entanto, como o Convento em Pereira era muito rigoroso nas suas leis, diz a lenda que a infeliz terá sido metida nos subterrâneos do Convento e ai terá morrido sem nunca ter dado á luz o seu filho, isto porque a sua gravidez era tudo mentira. Por isso ainda hoje se pergunta – a freira já pariu?


Procissão dos Passos - No quarto domingo de Quaresma, anualmente a Vila de Pereira leva a efeito a manifestação religiosa da procissão do Passo do Senhor. Passo porque a cerimónia simboliza os “Passos” dolorosos de Jesus no caminho de sacrifício que o levou á crucificação no Calvário. A Igreja da Misericórdia constitui o espaço escolhido para a saída e recolha da Procissão. Na altura abre-se a tribuna em frente ao Altar, previamente preparada para a cerimónia e surge diante dos fieis, o Senhor dos Passos, de cruz ao ombro, coroa de espinhos e resplendor na cabeça, túnica roxa cingida ao corpo, cabelos caídos e postura de sofrimento, acompanhado dos anjos e da Verónica. Esta, canta o “Miserere” e solta o pano que recebeu o rosto de Cristo depois de Lhe ter enxugado a cara. Alguns músicos entoam cânticos alusivos, ouvindo-se os acordes musicais. Segue-se a Procissão, que abre com o pendão roxo da Misericórdia, depois os irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento e os Misericórdia com opas e círios nas mãos, as crianças da cruzada com o estandarte, a Verónica, os dois anjos, o andor com a imagem do Senhor dos Passos levado por homens com opas roxas e ladeado de lanternas. Atrás o Palio, onde se abrigam os Sacerdotes o Santo Lenho, transportado pelas autoridades civis. A procissão corre as ruas do trajecto e chega ao Largo da Feira. Aqui, o Sermão do encontro, que no momento oportuno faz caminhar a Mãe de Cristo (imagem de Nossa Senhora da Soledade) levando-a ao encontro do Filho. A Verónica faz ouvir a sua voz impregnada dolente e enternecida, enquadrado na hora de sofrimento que passa. A Procissão segue para a Igreja e no interior desta o sermão do Calvário.


Amentar as Almas - A Quaresma corresponde, para os católicos a um período de penitência e oração, de jejum e abstinência, a morte de Jesus Cristo na cruz e a sua Ressurreição no Domingo de Páscoa, ditaram uma fé ilimitada na vida alem-túmulo. A sufragação das Almas do Purgatório e dos entes queridos constitui, desde sempre, uma preocupação dos vivos. Na Vila de Pereira o costume enraizado á muitos anos mantém actualidade. Um grupo de senhoras, a maioria viúvas organiza na Quaresma, de Quarta-Feira de Cinzas ao Domingo de Ramos, ás Terças e ás Sextas-Feiras á noite o Amentar das Almas. O grupo formado por cerca de 20 pessoas, vestidas de preto, juntam-se na Capela de Nossa Senhora do Pranto e partem dali acompanhadas por um homem vestido de varino preto, cajado numa mão e lanterna acesa na outra, para cumprir o itinerário programado. Cantam três vezes em cada ponto de paragem:
 
“ Oh, almas santas benditas
  peçam a Deus Nosso Senhor
  que estas mesmas orações 
  sejam em Vosso louvor. ”
“ Oh Cristão que és terra
  olha, que hás-de morrer
  a morte anda buscando
  quer de noite, quer de dia. “
Rezam em silêncio um Pai Nosso e uma Ave Maria pelos irmão que deram o corpo á terra fria.
 
“ Rezemos um Pai Nosso
  e uma Ave Maria Também
  pelas Almas dos nossos Pais
  e por alma das nossas Mães. “
“ Rezemos um Pai Nosso
  tornaremos a rezar
  pelas Almas que andam em perigo
  sobre as ondas do mar .“
“ Rezemos um Pai Nosso
  e uma Ave Maria á saída do Pretório
  Deus livrai as nossas Almas
  das penas do Purgatório. “

Entoados os versos, o grupo avança para a primeira paragem no cruzeiro, murmurando pelo caminho, orações, não falando com ninguém. As pessoas que estão em casa não vão á janela ou porta, mas acompanham interiormente e no lar, a cerimónia que está a percorrer a Vila. Repetem-se os cânticos e as rezas e o grupo caminha para a outra paragem no cruzeiro seguinte. Depois do mesmo cerimonial, novo percurso até à Igreja Matriz, seguidamente à Misericórdia, logo a paragem seguinte na Capela de Nossa Senhora do Bonsucesso no Tojal. Depois em frente da desaparecida Igreja das Chagas-Ursulinas e finalmente, junto do Cemitério.


Romaria a S.Bento - Na segunda-feira de Páscoa as famílias e grupos de amigos deslocam-se para as imediações da Capela de S. Bento e aí passam o dia. Assistem á missa de manhã e depois entregam-se aos belos manjares previamente preparados, procurando conviver animadamente durante todo o dia. Era tradição neste dia a “TUNA DE PEREIRA” deslocar-se desde a sede do Grupo Musical Instrução e Recreio até à Capela de S. Bento, percorrendo algumas ruas desta Vila, sendo bastante aplaudida pelo povo. Depois no largo fronteiriço à Capela fazia-se uma contradança muito apreciada por todos. Também os mais jovens aproveitavam este dia para cortejar as raparigas, chegando alguns mesmo a pedi-las em namoro neste dia.


Reis Magos na Vila de Pereira - Vila de Pereira, terra multi-centenária de tradições cristãs e católicas, mantém nas suas memórias um dos motivos, que as gentes desta Vila tinham para lembrar e comemorar, “A chegada dos Reis Magos a Belém de Judá“. Já se tinha vivido o Natal intensamente com o arranjo do Presépio, as sementeiras das cearas de trigo para colocar no presépio, a feitura dos filhós, a cozedura das broas doces, daquelas grandes que depois eram cortadas ás fatias. Também já tinha partido o ano mau e chegado o ano bom, carregado de esperança em melhor vida, nessa imensa noite em que se esperava pela meia noite para se ouvirem as máquinas do Caminho de Ferro com os seus apitos estridentes na estação de Alfarelos (o povo com pouco se contentava). Agora ia chegar o último acontecimento festivo da época natalícia; a chegada dos Reis Magos, vindos do lado do Oriente. Assim… como um sonho, recriava-se aquela parte mágica em que todos com grande convicção juntam a sua vontade à vontade dos Reis em visitar o Menino Deus assim como oferecer do pouco que tinham a par dos tesouros dos Reis, colocando essas oferendas junto ao presépio montado carinhosamente na Igreja Paroquial. Para isso e estrategicamente munidos de escadas iam bem cedo no dia 6 de Janeiro de todos os anos, junto á Capela de Nossa Senhora do Pranto, percorrer com o olhar o ponto do lado nascente, por onde deveriam chegar os anunciados Reis Magos do Oriente. Esse momento mágico chega e eis que no horizonte se desenham aquelas silhuetas inconfundíveis do Baltazar, por sinal bastante queimado pelo sol, o Gaspar de longas barbas brancas e teimosamente rezingão e o bonacheirão do Belchior que com eles traziam ouro, incenso e mirra. Montados em vistosos cavalos, em que logo sobressaia o cuidado que tiveram para evitar as criticas que não seriam nada aconselháveis no momento. Chegados à Capela muito ovacionados, eis que a par de toda a miudagem, que não quer perder nada daquele espectáculo se junta a grande massa da população da Vila com as suas pequenas prendas. Eram sacos com batatas, abóboras meninas, garrafas de vinho e azeite, vinho do Porto, licores vários, tabuleiros compostos com batatas, bacalhau e vinho tinto, cambos de alhos e cebolas, mais tabuleiros com tangerinas e laranjas, galinhas, coelhos, patos etc, etc,. Com a estrela de seis pontas á frente, seguindo-se os Reis e a seguir o povo, lá iam percorrendo as ruas que conduziam ao presépio, pelo caminho outros se iam juntando engrossando ainda mais esse tão lindo cortejo, ficando logo certo que seriam muitos mais á chegada do que à partida. Após a chegada ao Presépio e após breve cerimónia, eis que todos se juntam envolvendo um palanque previamente preparado, onde um homem, com jeito para o caso, fazia as delicias das pessoas com as suas brincadeiras enquanto ia leiloando as oferendas, cujo valor junto seria entregue ao Padre da Paróquia para as obras possíveis na Igreja Paroquial. E assim terminava o período de Natal em que todos se sentiam como se tivessem estado há 2000 anos junto ao estábulo onde nasceu o Menino Deus Salvador, Jesus Cristo.

Por Arnaldo Nobre 2006 in www.freguesiadepereira.eu - "Tradições"

Fontes:
INE, Recenseamento Geral da População e Habitação, 2001 (Resultados Definitivos)

Montemor-o-Velho um Município a Conhecer (CD-ROM Interactivo)
Augusto Santos Conceição - Terras de Montemor-o-Velho, 1944
Correia Góis - Montemor-o-Velho. A Terra e a Gente, 1995
Maria Helena Cruz Coelho - O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, 1983
Nelson Correia Borges - Coimbra e Região, 1987

MAPA DA VILA DE PEREIRA


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